Os dois procedimentos, sendo eventuais e não rotineiros na mesma comunidade , são como pensar que para a prevenção contra a infecção por qualquer vírus, basta lavar muito bem as mãos somente uma vez por mês. Em termos de eficácia na limpeza e desinfecção, ambos são placebos sanitários.
Cedae pagou mais caro por sanitização de comunidades, diz auditoria; metragem de favelas aparece até seis vezes maior
Relatório da Controladoria-Geral do Estado aponta propostas mais baratas para aplicação de limpeza. Companhia cotou preço de sanitizante para 5 mil quilômetros de vias a R$ 30 milhões no total. Estatal nega irregularidades.
12/08/2020 12h24 Atualizado há 3 horas
Um relatório da Controladoria-Geral do Estado do Rio (CGE-RJ) sobre o “plano emergencial de sanitização das favelas” da Cedae, a companhia de águas e esgotos do RJ, apontou “risco da não obtenção do melhor preço”.
A sanitização das favelas foi uma das medidas anunciadas pela Cedae depois que o Ministério Público e a Defensoria Pública cobraram na Justiça um plano de contingência contra a Covid-19.
O contrato, de R$ 30 milhões, foi celebrado emergencialmente — sem licitação — com a empresa Truly Nolen, de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense.
A proposta vencedora cobrou da Cedae R$ 5,90 para aplicação da substância quaternário de amônia em cada metro linear percorrido.
A auditoria, que ainda está em andamento, encontrou três propostas mais baratas em outro processo de contratação do governo do RJ, entre R$ 3,65 e R$ 4,32.
Equipe de sanitização da Cedae — Foto: Reprodução |
Metragem acima da oficial
A GloboNews apurou também que a Cedae pode ter “inflado” o tamanho das comunidades para o cálculo do contrato.
Com base na Lei de Acesso à Informação, a GloboNews obteve da companhia o termo de referência — o primeiro passo de qualquer contratação pública — da sanitização.
Nele, a Cedae informou que a sanitização seria feita em cinco milhões de metros lineares, ou seja, cinco mil quilômetros, sem explicar de onde tirou essa estimativa.
Essa distância é maior do que a linha reta do Oiapoque ao Chuí, de ponta a ponta do Brasil.
Sede da Truly Nolen, em Caxias — Foto: Reprodução/GloboNews |
Batan seis vezes maior
Uma das discrepâncias na metragem está no Batan, na Zona Oeste do Rio.
Um levantamento feito a pedido da GloboNews pelo Instituto Pereira Passos (IPP), da prefeitura, mostra que essa comunidade é formada por 33 vias públicas, que somam 3.130 metros.
Nas contas da Cedae, no dia 21 de maio, a Truly Nolen aplicou produtos químicos em 18.079 metros no Batan — ou quase seis vezes a metragem segundo o IPP.
Para Claudio Crispim, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil, a medição mais precisa é a do IPP.
“O Pereira Passos tem técnicos que conseguem trabalhar com ferramentas de geoprocessamento que são muito precisas, com margem de erro de 20 a 30 centímetros. Então não seria possível, a partir do material do IPP, chegar a uma diferença tão grande”, disse.
Outra diferença é na comunidade do Rio Piraquê, também na Zona Oeste: são 6.150 metros, pela medição do Instituto Pereira Passos.
Já a Cedae alega que fez o trabalho para eliminar o vírus em 14.601 metros de vias públicas, mais que o dobro do número oficial.
E em Rio das Pedras, a Cedae apresentou quase 14 mil metros a mais do que a medição da prefeitura.
Diagonais suspeitas
Segundo Crispim, o modelo de medição dos espaços públicos apresentado pela Truly Nolen no plano de trabalho também tem falhas.
“Apesar de ele andar por todas as vias, em uma malha mais quadriculada, a gente encontra diagonais também que acabam inflando a medição”, explicou.
Um desses mapas com diagonais é de Rio das Pedras.
Sem acompanhamento
Favela do Batan, na Zona Oeste do Rio — Foto: Reprodução/GloboNews |
O Termo de Referência também previa uma criação de uma ferramenta on-line para a Cedae acompanhar a medição em tempo real e ter mais segurança na fiscalização do contrato.
Mas nada disso foi feito.
No processo obtido pela GloboNews, não há nenhum relatório de medição das favelas preenchido pela Truly Nolen durante a prestação do serviço, o que também era uma exigência prevista no Termo de Referência.
Para Rafael Oliveira, especialista em direito administrativo do Ibmec, isso caracterizaria violação de contrato.
“O Termo de Referência é considerado parte integrante do contrato. Portanto, a violação do termo significa uma violação ao contrato. Leva, portanto, a uma investigação e, se for o caso, punição pela inexecução do contrato”, detalhou.
esmo sem apresentar os relatórios detalhados, a Cedae atestou que, entre 24 de abril e 22 de junho, pelo menos 1,7 milhão de metros de vias públicas passaram pela sanitização.
Por esse serviço, a Truly Nolen já recebeu mais de R$ 10 milhões.
O que dizem os envolvidos
Em nota, a Cedae negou as irregularidades e informou que o contrato está sendo cumprido.
Sobre a medição do Batan, a companhia alegou que o serviço de sanitização também foi feito em comunidades vizinhas e, por isso, os números não batem com a metragem da prefeitura.
“A empresa contratada apresentou um sistema de medição com rastreamento e transmissão de dados feitos por operadora de telefonia móvel que fornece a latitude e a longitude dos pontos percorridos”, explicou.
A GloboNews pediu pela Lei de Acesso à Informação a íntegra desse processo de contratação e todos os documentos relacionados ao contrato, e nenhum relatório de medição foi apresentado pela Cedae.
A Truly Nolen esclareceu que está cumprindo todas as determinações previstas na relação contratual com a Cedae, “tendo realizado, até o presente momento, o serviço de sanitização em mais de 350 comunidades”.
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