Companhias brasileiras aproveitam
as facilidades do trabalho híbrido para testar a redução de jornada semanal sem
correspondente corte no salário para atrair e motivar funcionários
Por Ana Flávia Pilar — Rio deJaneiro
14/07/2022
O que você faria se tivesse mais
um dia livre do trabalho durante a semana, além do sábado e do domingo? Ou se a
quinta-feira virasse a dia oficial do happy hour, sem preocupações com
produtividade para a manhã seguinte?
Com a adoção do trabalho híbrido
por muitas empresas durante a pandemia, trabalhar apenas quatro dias por semana
se tornou uma possibilidade para alguns trabalhadores em países que começam a
testar a ideia de reduzir horas de serviço para ganhar produtividade, por mais
contraditório que isso possa parecer. Entre eles estão Reino Unido, Japão,
Bélgica, Nova Zelândia e Portugal.
Na Islândia, dois testes em
empresas mostraram que a redução da carga horária não resultou em qualquer
perda de produtividade ou queda na performance da empresa. Por outro lado, os
funcionários relataram queda nos níveis de estresse.
Empresas brasileiras começam a
inserir o Brasil nessa lista. A principal mudança proposta por elas é dar aos
funcionários um dia a mais de folga por semana, além do sábado e do domingo,
sem redução proporcional nos salários.
Pode até parecer que a rotina nos
quatro dias úteis vai se tornar mais intensa, com o desafio de manter o mesmo
número de tarefas, reuniões e afazeres em um menor período de tempo. Mas não é
isso que geralmente acontece na prática, segundo representantes de empresas
brasileiras.
Desde 2020, as quartas-feiras
foram eliminadas do calendário profissional de quase toda a equipe da empresa
de produtos para cachorro Zee.Dog. Somente as áreas de varejo e logística, que
não podem se dar ao luxo de parar no meio da semana, mantêm a rotina usual.
A ideia é estimular maior
concentração no início e no fim da semana, com um dia para arejar a cabeça no
meio, favorecendo maior equilíbrio entre vida pessoal e profissional, diz
Thadeu Diz, cofundador e diretor criativo da empresa:
— Além de equilibrar trabalho e
qualidade de vida, o modelo foi uma oportunidade de tornar produtivos tanto o
início quanto o fim da semana. Para os funcionários, é importante ter mais um
dia para passar tempo com os filhos ou desenvolver um novo hobby.
Segundo ele, as reuniões se
tornaram mais objetivas, e os times também passaram a se ajudar mais para que
as entregas fossem feitas com a qualidade necessária e em menos tempo. O ganho
mais significativo, no entanto, foi na produtividade.
Outro caso é o da agência de
comunicação Shoot, que é 100% virtual e decidiu adotar o regime de quatro dias
em fevereiro. A equipe foi dividida em dois grupos: alguns funcionários folgam
às sextas e outros, às segundas. Luciano Braga, sócio da empresa, diz que a
decisão veio da percepção do quanto os colaboradores se sentiam cansados do
trabalho, mesmo após dias com poucas tarefas. O humor dos empregados, segundo
ele, mudou:
— O pessoal está mais engajado, e
também mais relaxado. Nossa produtividade não aumentou tanto, mas diria que
mantivemos o mesmo nível, o que já funciona muito. A empresa não adotou essa
política para ser mais produtiva, mas foi mais uma consequência, assim como a
melhora na autogestão dos funcionários.
Para Braga, a tradicional semana
de cinco dias úteis já está datada. Ele acredita que as empresas que contam com
uma opção melhor acabam se destacando na atração de talentos entre os
profissionais mais qualificados. Desde que adotou a semana de quatro dias, cada
anúncio de nova vaga recebe mais candidatos.
— A empresa recebia por volta de
cem currículos por vaga, mas esse número chegou a setecentos quando adotamos o
regime de quatro dias de trabalho. O nosso número de seguidores no Instagram e
no LinkedIn também aumentou — disse o empresário.
A Crawly, de Belo Horizonte,
adotou essa estratégia bem antes de virar tendência na pandemia. A empresa de
inteligência de dados já tem semana mais curta há quatro anos. Quando começou,
o benefício foi dado apenas aos desenvolvedores, como forma de atrair
colaboradores diante da escassez de profissionais de tecnologia no mercado. A
estratégia foi usada por outras empresas do setor, diz Luísa Lana, gerente
financeira da Crawly, e a empresa foi atrás.
— Para implementar a mudança,
ajustamos as agendas para fazer só entregas às quintas. Tendo mais um dia de
folga, os funcionários se sentem mais motivados a entregar um melhor serviço e
a permanecer na empresa — diz a executiva, que ouve de candidatos a vagas que a
semana de quatro dias pesou na busca pela empresa.
Na Eva Benefícios, de Ouro Preto
(MG), os funcionários passaram a serem procurados no LinkedIn por outros
profissionais em busca de uma vaga desde que a empresa adotou três dias de
folga semanais. Mas, apesar da satisfação dos colaboradores, o CEO Marcelo
Lopes admite que nem todo mundo consegue se desligar do trabalho às
sextas-feiras, que agora é off na empresa. A mudança de cultura, avalia o
executivo, é lenta:
— É preciso um tempo para o
colaborador assimilar esse novo benefício e entender que pode planejar a sua
vida para ter três dias de finais de semana — disse Marcelo.
A representante de
Desenvolvimento de Vendas da Eva Benefícios, Beatriz Ribeiro, concorda, mas
destaca que a empresa vê esse tipo de benefício como uma forma de promover
saúde e bem-estar entre os funcionários, que no final das contas podem produzir
mais:
— Hoje vemos doenças bem graves
no meio corporativo por causa do excesso de trabalho, então desacelerar é
importante, mas ainda vai demorar um pouco para cairmos na realidade de que
temos mais um dia para descansar.
Por trás dos planos para reduzir
a semana útil está um esforço nas empresas de compensar as horas cortadas
cortando tarefas ineficientes e reorganizando processos sem afetar o desempenho
da empresa. A premissa parte do modelo conhecido como 100:80:100, que significa
100% do pagamento por 80% do tempo do colaborador, em troca de 100% de
produtividade.
Experiências no mundo
Em muitos casos, os adeptos do
modelo dizem que é possível aumentar o retorno dos funcionários. Em alguns
países, empresas estão testando o modelo como uma forma de testar na prática se
oferecer mais qualidade de vida aos colaboradores pode representar uma vantagem
competitiva em relação à concorrência.
Estudos indicam que funcionários
mais felizes se sentem motivados e são mais produtivos, o que é melhor para as
empresas na ponta da linha. Entre 2015 e 2019, um estudo feito pela Associação
de Sustentabilidade e Democracia (Alda) e pela instituição britânica Autonomy
analisou os benefícios da redução dos dias de trabalho em cerca de 2.500
trabalhadores na Islândia. Os resultados indicaram que a produtividade se
manteve a mesma ou até aumentou em alguns casos.
Os Emirados Árabes Unidos foram o
país pioneiro na redução no número de dias de trabalho. Lá, desde janeiro deste
ano, todos os funcionários de órgãos públicos colaboram com apenas 36 horas
semanais, divididas em quatro dias úteis.
Em junho, no Reino Unido, mais de
três mil trabalhadores em 70 empresas diferentes começaram a trabalhar por
apenas quatro dias na semana, sem perda de pagamento, como parte do maior teste
do mundo sobre o novo modelo de trabalho.
Trata-se de um teste, que terá
seis meses de duração, organizado pela principal instituição para a promoção da
semana de quatro dias de trabalho, a 4 Day Week Global, em parceria com
pesquisadores das universidades de Cambridge, Oxford e Boston.