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sexta-feira, 15 de novembro de 2019

Projeto que dá estabilidade de funcionários da Comlurb pode custar R$ 260 milhões por ano à prefeitura

Considerando que o custo de pessoal da Comlurb supera o bilhão anual, tornar a Companhia independente é uma manobra para criar algum fôlego à prefeitura que está no limite prudencial estabelecido pela Lei Complementar 101/00, a Lei de Responsabilidade Fiscal - LRF

E as sanções da Lei de Responsabilidade Fiscal podem variar de cassação do mandato até reclusão, o que pode ser um risco para quem deseja se reeleger.  

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Caso aprovado, novos servidores entrariam para a previdência do município sem nunca terem contribuído

15/11/2019 - 04:30 / Atualizado em 15/11/2019 - 04:32

RI Rio de Janeiro (RJ) 02/04/2019 Impasse entre a Conlurb e a empresa Ciclus. Na foto, fila de caminhões na subestação de Santíssimo, na Avenida Brasil . Foto de Pablo Jacob / Agência O Globo Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo
RI Rio de Janeiro (RJ) 02/04/2019 Impasse entre a Comlurb e a empresa Ciclus. Na foto, fila de caminhões na subestação de Santíssimo, na Avenida Brasil . Foto de Pablo Jacob / Agência O Globo Foto: Pablo Jacob / Agência O Globo

RIO — Com dificuldades de caixa agravadas por um bloqueio de R$ 46,6 milhões feito pelo BNDES por conta de dívidas , o prefeito Marcelo Crivella enviou um projeto à Câmara Municipal no qual propõe dar estabilidade a 2.440 funcionários da Comlurb contratados em regime da CLT, que passariam a ser estatutários. A maioria deles foi admitida antes de 1988 e, por isso, já teria tempo para se aposentar. A estimativa da Comissão de Orçamento do Legislativo carioca é que o impacto anual nos gastos previdenciários seria de pelo menos R$ 260 milhões.

Se a lei for aprovada e sancionada, os benefícios desses aposentados não serão pagos pelo INSS e sim pelo Fundo de Previdência do Município (Funprevi), que, sem esses servidores, já tem rombo previsto para este ano de R$ 1 bilhão. Eles entrariam para a previdência da prefeitura sem nunca terem contribuído.

Em nota, a prefeitura afirmou que quis beneficiar uma categoria que optou por não se aposentar porque receberia muito menos pelo INSS — o teto hoje é de R$ 5.839,45. O município acrescentou que cada um deles custará aos cofres públicos R$ 8 mil por mês. Fontes ouvidas pelo O GLOBO, no entanto, dizem que o gasto deverá ser maior porque boa parte desses funcionários exerce hoje outros cargos ou está cedida para outros órgãos, como a própria Câmara Municipal. Isso significa que eles recebem gratificações que acabam sendo agregadas à aposentadoria no serviço público.

De acordo com fontes do município, esses funcionários, se fossem estatutários, receberiam, hoje, aposentadorias entre R$ 15 mil e R$ 20 mil devido aos adicionais dos vencimentos que teriam obtido nos últimos anos. No Legislativo, não foi possível ainda fazer o cálculo do real efeito da medida nas contas previdenciárias porque o município não encaminhou, junto com o projeto de lei, os salários efetivamente pagos aos funcionários que seriam beneficiados. A Comissão de Orçamento da Câmara acredita que o Funprevi terá que desembolsar, ao menos, mais R$ 260 milhões por ano, quando os beneficiados estiverem aposentados. Mas. nessa conta, não foram consideradas gratificações incorporadas aos vencimentos deles.

— A proposta tem caráter eleitoreiro. Outras categorias já começam a reivindicar o mesmo benefício. Vai virar promessa na campanha pela reeleição, quando a prefeitura não tem dinheiro nem para o essencial — diz a vereadora Teresa Bergher (PSDB).

Em defesa do projeto, Crivella cita na mensagem enviada à Câmara a Lei 2.008/1993, que prevê a mudança de regime para garantir a estabilidade de servidores contratados antes da Constituição de 1988. A lei, de fato, beneficia categorias da administração indireta, mas não as empresas públicas, como é o caso da Comlurb.

— O problema desses projetos é o impacto nas contas públicas a longo prazo. São ações como esta que provocaram a grave crise enfrentada hoje pelo governo do estado — criticou o economista especializado em contas públicas André Luiz Marques, do Insper.

Em outro projeto também enviado à Câmara, a prefeitura quer que a Comlurb — que hoje tem sua autonomia financeira financiada, em parte, pela cobrança da taxa de lixo — passe a ser uma prestadora de serviços paga pelo governo municipal por atividades realizadas, como a coleta de lixo e a poda de árvores. Segundo a proposta, os contratos seriam gerenciados pela Secretaria de Infraestrurtura, Habitação e Conservação, comandada por Sebastião Bruno, homem forte do prefeito. Com isso, todos os gastos com a empresa passariam a ser considerados despesas com fornecedores, inclusive a folha de pagamento, que está hoje entorno de R$ 1,5 bilhão.

Os dois projetos envolvendo a Comlurb seriam, na verdade, uma manobra contábil que a prefeitura precisa adotar para enfrentar 2020 dentro da lei. É o que dizem fontes ouvidas pelo GLOBO. Apesar de criar despesas a longo prazo, o município, ao dar independência à companhia, reduzirá a folha de pagamento dos servidores, conseguindo deixar as despesas com pessoal dentro do limite de 54% da Receita Corrente Líquida, como determina a Lei de Responsabilidade Fiscal. A legislação é muito rigorosa com o último ano de qualquer esfera de governo. Caso exceda o teto de gastos no ano que vem, o prefeito poderá sofrer restrições para receber repasses federais ou assumir novos compromissos financeiros. No segundo quadrimestre deste ano, a folha de pagamento estava consumindo 51,08% da receita.

Mas todas essas mudanças podem não ter efeito no próximo governo. Isso porque o Tribunal de Contas do Município (TCM) já determinou que, a partir de 2021, todas as despesas com servidores — sejam eles da administração pública ou prestadores de serviço, como hoje é o caso das Organizações Sociais que atuam na área da saúde — entrem no cálculo da LRF.

Mesmo com essas estratégias, a prefeitura não deverá reduzir, significativamente, os gastos com pessoal. Isso porque será necessário fazer aportes do Tesouro para cobrir o déficit do Funprevi. E essas transferências, aos olhos da lei, são consideradas despesas com servidor.

A presidente da Comissão de Orçamento e Finanças, Rosa Fernandes (DEM), convocou uma audiência pública no próximo dia 3 para discutir as mudanças com técnicos da prefeitura, da Comlurb e do TCM.

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