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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Comlurb à deriva

Com quatro presidentes em pouco mais de um ano, déficit de R$ 305 milhões e nomeações políticas, empresa vive crise sem precedentes



O lixo deixado pelo temporal que destruiu três vilas em Cascadura. Foto Brenno Carvalho /Agência O Globo.
 O lixo deixado pelo temporal que destruiu três vilas em Cascadura. Foto Brenno Carvalho / Agência O Globo

A demora de ação da Comlurb após a tempestade que levou caos a diversos bairros do Rio, neste mês de fevereiro, é apenas a face mais evidente da crise sem precedentes por que passa a companhia pública responsável pela limpeza urbana da capital. O frenético troca-troca de presidentes – no último ano foram quatro, um recorde –, as nomeações políticas para cargos operacionais e os cortes agressivos no orçamento jogaram a maior empresa de limpeza pública da América Latina num cenário de incertezas. Se 2017 foi de contenção de despesas, 2018 promete reservar ainda mais surpresas desagradáveis à companhia: a Lei Orçamentária Anual prevê R$ 517,4 milhões para custeio (repasse para a operação, com exceção da folha salarial) este ano – um corte de 12% em relação ao ano passado.

O #Colabora apurou que a dívida da empresa com prestadoras de serviços ultrapassa os R$ 100 milhões. A situação começou a se agravar em dezembro de 2016, quando houve a troca do governo municipal do Rio e o primeiro calote nos fornecedores. Para 2017, estavam previstos R$ 670 milhões em investimentos, compra de material e contratos que garantiriam a operação das frotas, podas de árvores, a destinação final do lixo em aterros (Seropédica e Gericinó) e a coleta seletiva, incluindo manutenção de todos os equipamentos. Mas só foram efetivamente disponibilizados pela prefeitura R$ 400 milhões (ou 59%), o que gerou forte impacto em serviços importantes, decorrente das dívidas com fornecedores. Os contratos para destinação final de resíduos e operação de frota dos meses de novembro e dezembro de 2017 não foram pagos.

Em relatório enviado à Secretaria de Fazenda do município, em setembro do ano passado, a Comlurb estimou seu déficit para 2018 em R$ 305,8 milhões. É o montante necessário para garantir todos os serviços e pagar as dívidas com os fornecedores. A solução, conta um funcionário da empresa sob condição de anonimato, foi zerar os investimentos, rever drasticamente os contratos, e enxugar o que fosse possível:

– Além do orçamento mais enxuto, houve um grande contingenciamento. Com isso, fornecedores não foram pagos e uma série de atividades acabaram prejudicadas – diz essa fonte.

Os orçamentos destinados à compra de materiais sofreram o maior revés: 40%. Poda de árvores (20%) e frota (11%) também ficaram prejudicadas com o contingenciamento.


Em 13 meses, quatro presidentes

A própria nomeação da presidência da Comlurb virou uma novela de fazer inveja às tramas mexicanas. Durante os dois mandatos do ex-prefeito Eduardo Paes, foram três presidentes: a urbanista Angela Fonti (2009 a 2013), o economista Vinicius Roriz (2013 a 2015) e o administrador de empresas Luciano Moreira (2015 a 2016).

Nos últimos treze meses, quatro nomes já passaram pelo cargo maior da empresa, numa dança das cadeiras jamais vista. Quando o prefeito Marcello Crivella assumiu, nomeou Gustavo Puppi, um funcionário de carreira, com 22 anos de casa. Mas Puppi resistiu pouco tempo: em setembro do ano passado acabou exonerado.

Para o seu lugar foi nomeado o pastor evangélico Rubens Teixeira, braço direito de Crivella, que havia ocupado os cargos de diretor financeiro e administrativo da Transpetro de 2008 a 2015. Durante sua gestão, precisou responder por denúncia de contrato fraudulento assinado por Lenilson de Oliveira Vargas, que acabou demitido da subsidiária da Petrobras por justa causa em janeiro deste ano. Ao assumir o posto máximo da Comlurb, Rubens Teixeira nomeou Lenílson como assessor especial da presidência. Rubens, no entanto, também não durou muito tempo – Lenílson tampouco tem sido visto na Comlurb, apesar de ainda receber os R$ 13.771,06 pelo cargo de coordenador especial da Diretoria.

Vereadores cariocas, irritados com a nomeação de Rubens Teixeira, fizeram valer a lei federal 13.303, que criou normas para a nomeação em empresas públicas, para afastar o pastor do cargo. Como Teixeira havida sido candidato a vereador em 2016 pelo PRB (sem conseguir se eleger), ele não poderia assumir uma empresa como a Comlurb. A partir de uma ação do vereador David Miranda (PSOL), a Justiça determinou, em janeiro deste ano, a saída do pastor do cargo. Rubens Teixeira, dono de um incrível prestígio junto a Crivella, acabou indo parar na secretaria de Transportes.

Depois de Teixeira, o cargo foi ocupado, até 20 de fevereiro, por Eduardo Oliveira, homem de confiança do ex-diretor da Transpetro. Até que vieram as chuvas fechando o Carnaval, árvores e mais árvores caídas e a enorme demora para retirá-las. Foi a vez do secretário da Casa Civil da prefeitura, Paulo Messina, pedir a Crivella a cabeça de Eduardo Oliveira. Messina ficou irritadíssimo ao tentar falar, em vão, com Oliveira durante a crise.

No dia 21 de fevereiro, assumiu Tarquínio Prisco Fernandes de Almeida. Engenheiro com especialização nas áreas sanitária e ambiental, ele é funcionário da empresa há 24 anos. Tarquínio, nome de imperador romano, tem diante de si o enorme desafio de conduzir um império em ebulição.

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