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quinta-feira, 5 de outubro de 2017

Com poucas lixeiras nas ruas e muitas depredadas ou sujas, resíduos vão parar no chão

Confira a matéria original no Jornal O Globo

Na Avenida Amaro Cavalcante, no Engenho de Dentro, as poucas papeleiras que restaram estão danificadas, imundas ou com resíduos transbordando. Na semana em que a Comlurb divulgou o balanço do número de pessoas multadas pelo Programa Lixo Zero — foram 233 mil infrações em quatro anos e 30.365 pessoas entre janeiro e setembro de 2017 —, a dificuldade de se encontrar uma “laranjinha” nas ruas da cidade, principalmente em bom estado, vem sendo apontada como mais um sinal de queda na qualidade dos serviços da empresa.
— A sensação que a gente tem é que o Rio está mais sujo e que a manutenção feita pela Comlurb, que sempre foi reconhecida como uma empresa boa, anda deixando muito a desejar. Outro dia, andei três quarteirões na Rua São Clemente e só achei lixeira cheia até a boca. Na semana passada, estive no Centro e foi pior. Fui à Rua Carlos Sampaio e não achei nenhuma lixeira para jogar o saco de pipoca vazio. Como tenho educação, coloquei no bolso da calça, mas quantas pessoas não acabam deixando no chão? — questionou o vendedor Luiz Augusto Barbosa, morador de Botafogo.
QUEIXA É QUE NÃO HÁ REPOSIÇÃO DE PEÇAS
A Comlurb garante que não faltam papeleiras na cidade (hoje seriam 50 mil, contra 30 mil em 2013). O problema, garante a empresa, são atos de vandalismo, que danificam, todo ano, cerca de 10% das lixeiras. A companhia não sabe informar quantas são, mas assegura que a Nossa Senhora de Copacabana, por exemplo, é o logradouro do Rio com mais papeleiras. Os moradores do bairro duvidam, apontando como indício de que pode não ser bem assim o fato de serem facilmente vistos em postes resquícios de estruturas de ferro de papeleiras que teriam sido arrancadas.
— Há vários postes com estas marcas, um deles na esquina da Rua Belford Roxo com Nossa Senhora. Desde o começo do ano, a Comlurb não está mais fazendo a reposição das lixeiras, destruídas por vandalismo. Acredito que por questões de orçamento. Quando o Lixo Zero foi lançado, nós fizemos um levantamento em algumas ruas do bairro e enviamos para a empresa, argumentando que, se iriam multar, era preciso colocar lixeiras para o cidadão. Eles nos atenderam. Mas as reposições foram sendo deixadas de lado e hoje há ruas com grandes espaços sem lixeira — diz Horácio Magalhães, da Sociedade Amigos de Copacabana.
As “marcas” também chamaram a atenção do morador da Rua Guilhermina Guinle, em Botafogo, Jorge Roberto Simões, de 75 anos, que há dois meses sente falta de uma papeleira que desapareceu do dia para a noite.
— Ela estava num local estratégico, perto de comércio. Era muito usada. Durante o dia ficava cheia e, à noite, o gari a esvaziava. Há dois meses, sumiu e ficou só o ferro que a segurava. Agora, nem isso — lamenta.
Na Rua Maria Eugênia, no Humaitá, em frente a um prédio da Vigilância Sanitária do município, a lixeira vive lotada de sujeira. Na calçada em frente, mais um exemplo da falta de fiscalização: uma papeleira arrebentada jazia em meio a caixas de papelão e isopor, na última segunda-feira.
— Outro dia me peguei dando informação e apontando para a lixeira cheia, para indicar um endereço a um taxista. Se querem que as pessoas parem de jogar lixo no chão, a prefeitura tem que fazer a parte dela — reclama Maria Lúcia Silva, que trabalha no bairro.
Morador do Méier há mais de dez anos, o aposentado Paulo Lima passeia todas as noites com seus dois cães e percebe que, desde o início do ano, muitas lixeiras quebraram, e não houve reposição:
— Tem muita gente mal educada por aqui. Mas, até o ano passado, ligávamos para o 1746 e elas eram recolocadas. Agora não adianta nada. Aqui, na Rua Medina, não tem mais. Ando três quarteirões sem encontrar uma papeleira para jogar o saquinho com fezes dos meus cachorros. Como tenho educação, levo o saco com cocô para colocar na lixeira de casa. Mas muitos deixam os saquinhos encostados nos postes para o gari recolher, mas ele não recolhe — reclama.
Segundo o presidente da Associação de Moradores do Méier, Jorge Barata, a falta de reposição de lixeiras danificadas contribui para um problema crônico do bairro: a sujeira nas calçadas.
— Só para se ter uma ideia, a Rua Dias da Cruz, que já chegou a ter 50 papeleiras, hoje tem menos de dez. As ruas do Méier estão imundas, porque as pessoas jogam lixo no chão e, para piorar, o serviço de varredura está muito ruim. E não adianta reclamar no 1746, porque a Comlurb não faz nada — critica.
ESPAÇO ENTRE LIXEIRAS: AO MENOS, 50 METROS
Comlurb atribui mau estado de conservação de lixeiras a vandalismo – Paulo Nicolella / Agência O Globo

A Comlurb explica que a manutenção das papeleiras é feita pela gerência local, que retira a peça para lavagem ou manutenção. “Infelizmente, muitas delas são destruídas por atos de vandalismo”, diz a companhia. Esclarece ainda que, quando isso acontece, as peças são retiradas por um breve período para serem consertadas e, depois, são reinstaladas nos locais. A empresa não esclareceu, no entanto, qual o padrão deve ser seguido pelos pedestres para localizar lixeiras nas ruas. Por meio de sua assessoria de imprensa, apenas informou que “a disposição das papeleiras pela cidade respeita um planejamento e estudos realizados por técnicos”, ficando concentradas em locais “com maior fluxo de pedestres, pontos de ônibus, táxi, centros comerciais, ruas movimentadas etc. Nos bairros residenciais, a colocação segue outro padrão, de acordo com o planejamento operacional adequado para cada área.” Cada papeleira, de acordo com a companhia, custa cerca de R$ 70.
Para o arquiteto Luiz Fernando Freitas, do Conselho de Arquitetura e Urbanismo (CAU-RJ), a distância ideal entre duas lixeiras públicas nas ruas é de 50 metros.
— Até os anos 1990, quando teve início o Rio Cidade, o município não tinha um padrão de lixeiras. Inicialmente, os arquitetos e urbanistas adotaram a distância de 15 metros, que depois, em conjunto com a Comlurb e com especialistas do antigo Iplan-Rio, teve o espaçamento adaptado para 50 metros. É uma distância razoável para uma pessoa caminhar com um papel no bolso — avalia ele, que integrou a equipe do Rio Cidade em Madureira.
Além do vandalismo, alega a Comlurb, muitas papeleiras são destruídas porque o cidadão tenta colocar dentro do recipiente objetos grandes. A companhia estima que gasta, anualmente, cerca de R$ 700 mil só com reposição de peças. A última compra foi feita ano passado, e não há previsão de novas aquisições este ano. Os bairros de Copacabana e Centro estão no topo do ranking de destruição de “laranjinhas”.
Quem acaba ouvindo o desabafo do cidadão nas ruas é o gari. Segundo o Sindicato das Empresas de Asseio do Município, Antonio Carlos da Silva, apesar de não ser responsável pela limpeza e troca das lixeiras, os garis escutam muita reclamação:
— O profissional é uma espécie de relações-públicas da Comlurb. Quando tem algo errado na limpeza, é com ele que a população fala primeiro.
FISCALIZAÇÃO MENOS RIGOROSA
Lançado em 2013, o Programa Lixo Zero, que multa quem é flagrado jogando resíduos nas ruas, passou a mirar também os grandes produtores de lixo, como condomínios não residenciais e empresas, e de entulho. Segundo Luiz Eduardo Abílio Bastos, diretor de fiscalização da Comlurb, desde fevereiro, os agentes do Lixo Zero, que já faziam ações nas ruas de olho em quem jogava guimbas, latas e papéis no chão, passaram a anotar também as infrações de empresas e construtoras que teimam em não contratar serviços privados de coleta de lixo. Para Luiz Eduardo, não há risco de o agente ficar sobrecarregado, pois as ações são planejadas.
— O agente já está diariamente nas ruas, realizando sua rota, e agora passou a fiscalizar também o grande produtor e os casos de entulhos. Ele anota a infração no celular ou num tablet — explica, acrescentando que a Comlurb vai continuar multando o cidadão que jogar lixo na rua.
Em quatro anos, o programa Lixo Zero flagrou 233 mil pessoas jogando lixo nas ruas da cidade, no entanto menos da metade delas pagou as multas (cerca de 45%). Os bairros com maior número de multas são Centro e Copacabana. Ano passado, foram aplicadas 27.843 multas no Centro e 9.178 em Copacabana. Este ano (até setembro), foram 11.164 no Centro e 2.266 em Copacabana.
Em 2016, a média mensal de multas aplicadas era de 5.326 infrações; em 2017, entre janeiro e setembro, esta média caiu para 3.373, uma queda de cerca de 37%. A Comlurb garante que não houve queda do números de fiscais nas ruas.
— Atualmente, há 235 (agentes) e temos 50 em treinamento, que vão começar a atuar em 30 dias. Temos fiscais em praticamente todos os bairros da cidade — assegura Luiz Eduardo Bastos.
O presidente do Sindicato das Empresas de Asseio do Município, Antonio Carlos da Silva, diz que, com a justificativa da crise, a Comlurb anda economizando em equipamentos e gastos com pessoal:
— Ultimamente, temos sofrido muito com as pessoas reclamando por causa da varrição nas ruas. Desde o começo do ano, para cortar despesas com horas extras, a empresa deixou de varrer várias ruas aos domingos e feriados. Em locais onde antes iam duas equipes, eles mandam uma só. Temos também casos de falta de uniforme e de luvas.
A Comlurb nega os problemas e explica que “aos domingos, é realizada a varrição em vias de maior fluxo, limpeza de feiras livres, eventos, coleta em comunidades, enfim, em lugares em que a geração de resíduos justifique a aplicação de recursos extras.”

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