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domingo, 23 de março de 2014

Novos movimentos trabalhistas reduzem poder dos sindicatos

Mais escolarizadas, conscientes e conectadas, categorias buscam ampliar conquistas. Com desemprego em baixa e protestos em alta, trabalhadores fluminenses se fortalecem
O DIA
Rio - Varredor das ruas de Bangu, o gari Wilian Rocha, de 42 anos, fala com clareza sobre as condições de trabalho na empresa em que está há nove anos. Esse foi o principal assunto de seu cotidiano desde que ele aderiu à comissão de trabalhadores que deu início à greve da Comlurb. O movimento, deflagrado no Carnaval, contrariou a posição do sindicato da categoria e conseguiu uma conquista histórica: aumento de 33% no piso salarial e de 66% no valor do tíquete alimentação. “A partir de agora, o sindicato vai ter que rever sua posição”, afirma. 

Assim como os garis, outras categorias do Rio passam pela mesma situação. Descolados das aspirações dos sindicatos, trabalhadores criam comissões paralelas e desafiam a atuação tradicional das entidades. Um dos casos que chama a atenção é a greve do Complexo Petroquímico do Rio (Comperj), que durou 40 dias em Itaboraí. A paralisação foi alimentada por divergências entre o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Gonçalo, Itaboraí e Região e uma comissão de trabalhadores autônoma. 



Os colegas Leonardo Mendes e Willian Rocha, da Comlurb: comissão formada à revelia do sindicato da categoria
Foto:  Carlos Moraes / Agência O Dia

O mesmo ocorreu nos quadros da Guarda Municipal, onde servidores formaram a Frente Manifestante. Hoje, o grupo conta com 3.900 integrantes em sua página no Facebook e assumiu a linha de frente das negociações, aliado ao Sindicato dos Servidores Públicos do Município (Sisep-RJ). “Eles abraçaram a causa e prometeram apoio à categoria. Ficam com a parte jurídica e nós fazemos a parte da luta. Temos um diálogo com o sindicato, mas eu, por exemplo, nem sou sindicalizado”, explica Marcos Crisciullo, um dos idealizadores da Frente. Para o presidente da Força Sindical, Miguel Torres, a divergência interna é comum e pode até ser benéfica. “O conflito ajuda na melhoria da representação. Se a direção se organizar, ela toma o controle da situação e avança”, diz. 

A presença de jovens chama atenção nos movimentos. É o caso do agente de preparo de alimentos Leonardo Mendes, 28 anos. Ele afirma que, ao contrário dos trabalhadores antigos, os mais novos têm acesso ao ensino e querem ir além de um salário de sobrevivência. “Queremos acesso a lazer, ir ao cinema, ao teatro e fazer cursos”, lista.

Segundo a professora de gestão de pessoas do Ibmec-RJ, Janaína Ferreira, este comportamento reflete características presentes em toda a nova geração, independentemente da classe social: “Os jovens não aceitam mais a cultura do comando do chicote.”

Protestos de julho revelaram ao país a força dos movimentos

As baixas taxas de desemprego no país favorecem a mobilização por parte dos trabalhadores. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o Brasil fechou 2013 com 4,3% de desemprego, o menor índice em 11 anos. “Passamos por um período de muitas demissões na década de 90. Quem estava empregado ficava com medo de fazer greve”, lembra Darby Igayara, presidente da CUT no Rio. “Hoje a situação é diferente. Você tem muita oferta e mais trabalhadores se mobilizando”, afirma.

Os protestos ocorridos em julho do ano passado também são apontados como um fator que esquentou o mundo do trabalho. Uma das greves mais impactantes foi a dos professores da rede municipal de ensino do Rio, que começou em agosto, confundindo-se com os levantes que pediam mais investimentos básicos e protestavam contra a corrupção, entre outras bandeiras. “As pessoas estão saindo de um certo imobilismo,” acredita Guilhermina Rocha, diretora de umas das regionais do Sindicato dos Professores do Rio. 

“O que ocorreu em julho estimulou um movimento de as pessoas levantarem suas bandeiras e se firmarem como sujeito social”, explica José Dari Krein, professor do Instituto de Economia da Unicamp. Dados do Departamento de Estudos Intersindicais (Dieese) apontam 2012 como o ano com o maior número de greves desde 1997. Foram 873. O balanço de 2013 será divulgado em junho.


Grupos se articulam pelo Facebook

Uma ferramenta que facilita as mobilizações é o uso constante das redes sociais. Elas permitem que as discussões sobre salários e condições de trabalho fluam com mais rapidez e atinjam mais pessoas.
No caso dos garis, por exemplo, há uma página de Facebook com mais de 900 amigos, chamada Gari Apa. As discussões na internet precederam o movimento que foi para as ruas no Carnaval. 
“Antes, somente o sindicato tinha o poder de divulgar informes e quem não estava representado tinha mais dificuldades de se organizar. As novas tecnologias facilitam que grupos fora da direção sindical façam sua própria mobilização”, afirma o professor Adalberto Cardoso, diretor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj.
Segundo pesquisa do Ibope publicada em março, 61% da população do Rio têm acesso à internet em casa. No Brasil, 47% usam a rede. O estudo também mostra que, no país, as faixas etárias com maior acesso à web são entre 6 e 25 anos (56%) e 26 e 35 anos (53%). Entre 46 e 55 anos, o percentual de brasileiros conectados cai para 43%.

Base tem que ser ouvida 

Para especialistas, é cedo para afirmar que o movimento trabalhista está adquirindo novas feições definitivas. No entanto, eles olham para os atos recentes como alerta aos sindicatos. Não há mais espaço para organizações que não escutam suas bases e deliberam somente em cúpula. “Temos um quadro de sindicatos únicos, impostos por lei, que não representam a vontade dos filiados. Naqueles que não correspondem aos interesses das bases estão aparecendo mecanismos naturais de resistência”, avalia a professora de Direito do Trabalho da Universidade Federal de Minas Gerais, Daniela Muradas. “Isso não vale para todo o mundo sindical, mas essas ações podem ser um marco simbólico”, diz. 

Na opinião do juiz de direito e professor da Universidade de São Paulo, Jorge Souto Maior, o descolamento entre as expectativas do trabalhador e a ação dos sindicatos também representa um desafio para empregadores e para a própria Justiça. Em 2012, 36,7% das greves tiveram intervenção dos tribunais. “Se 80% dos trabalhadores deliberam pela greve, o empregador vai ter que negociar. Não adianta argumentar que a greve é ilegal, porque a ela é um fato que vai além do direito.”


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