Nas semanas em que estavam contentes, os trabalhadores vendiam 13% a mais do que naquelas em que estavam descontentes, mas o aumento da produção não se devia a mais horas trabalhadas
Há uma velha piada de que um recém-chegado ao inferno ouviu de Satã que ele poderia escolher um entre dois lugares para ficar. No primeiro, trabalhadores esgotados jogavam grandes pazadas de carvão em uma fornalha. No segundo, um grupo de trabalhadores sem camisa estava de pé em um esgoto, bebericando chá. O recém-chegado escolheu a segunda opção. Mas, tão logo as portas se fecharam, o capataz anunciou: “Ok, moçada, acabou a hora do chá. Todos de novo de cabeça para baixo!”.
Nas semanas em que estavam contentes, os trabalhadores vendiam 13% a mais do que naquelas em que estavam descontentes, mas o aumento da produção não se devia a mais horas trabalhadas Foto: Clayton de Souza/Estadão |
Condições terríveis de trabalho têm uma longa tradição. Nos primórdios da industrialização, as fábricas eram imundas e perigosas. No início do século 20, os trabalhadores tinham de cumprir funções maçantes e repetitivas na linha de produção. Hoje, porém, numa economia baseada em serviços, investir no bem-estar psíquico dos trabalhadores pode ser uma abordagem mais proveitosa.
Comprovar essa tese é mais difícil. Mas esse é o objetivo de um novo estudo* sobre a relação entre felicidade e produtividade realizado com funcionários da Britsh Telecom. Três pesquisadores – Clement Bellet, da Universidade Erasmus, de Roterdã; Jan-Emmanuel de Neve, da Escola de Negócios Saïd, de Oxford; e George Ward, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts – supervisionaram 1,8 mil vendedores de 11 call centers britânicos. Tudo que o pesquisado precisava fazer era clicar um emoji toda cada semana para indicar seu nível de felicidade. Esses trabalhadores vendiam aos clientes serviços de banda larga, telefonia e televisão. No total, os pesquisadores coletaram 1.161 respostas válidas num período de seis meses.
Os resultados foram surpreendentes. Nas semanas em que estavam contentes, os trabalhadores vendiam 13% a mais do que naquelas em que estavam descontentes. O aumento da produção não se devia a mais horas trabalhadas. Em “semanas felizes”, eles faziam mais chamadas por hora e eram mais eficientes em converter contatos em vendas.
O problema é descobrir a relação de causalidade. Trabalhadores podem estar mais felizes, por exlemplo, quando vendem mais porque esperam um bônus maior, ou porque contatos bem-sucedidos são menos estressantes que aqueles que terminam mal.
Os acadêmicos tentaram isolar outra possibilidade, muito importante para os britânicos: o tempo. Os trabalhadores ficavam mais infelizes nos dias em que o tempo em suas regiões estava ruim e vendiam menos. Uma vez que faziam chamadas nacionais, não locais, é improvável que o descontentamento geral dos clientes com o tempo estivesse baixando as vendas. Assim, era o estado de espírito do trabalhador que influía nas vendas, não o contrário.
Mas, mesmo que esse raciocínio esteja correto, os negócios podem não encontrar conforto nele. A menos que se sentem em seus call centers no Havaí, os empresários não têm meios de controlar as condições que seus funcionários enfrentam. Os pesquisadores assinalaram que “não estamos em condições, considerando-se nossos dados e configurações, de prever que investir em esquemas que melhorem o estado de felicidade dos empregados levem a bons negócios”. É até possível que o custo de tais esquemas supere os ganhos gerais em produtividade.
Novas pesquisas são claramente necessárias. Mas existe a evidência de que trabalhadores mais felizes são bons para os acionistas, bem como para a produtividade. Analistas da Merrill Lynch Global Research estudaram as ações de empresas listadas no Glassdoor, um site que possibilita a empregados avaliar as companhias para as quais trabalham. Aquelas com melhor avaliação superaram as de píor avaliação em quase 5 pontos porcentuais por ano entre 2013 e 2019. Os analistas também usaram um software para estudar as avaliações dos empregados e concluíram que incorporar essa abordagem melhorou a relação risco-benefício da empresa.
Eles agora aplicaram a mesma abordagem para escolher ações com base em determinadas indústrias. Novamente, os setores dos quais os trabalhadores fizeram melhor avaliação pelo Glassdoor entre 2013 e 2019 superaram facilmente aqueles que os empregados desaprovaram.
Nada disso é prova inequívoca. A história do mundo empresarial está cheia de estratégias que funcionaram bem no papel e se desintegraram quando aplicadas ao mundo real. Mas, pelo menos a pesquisa sugere que as empresas deveriam considerar os méritos de uma força de trabalho satisfeita. E isso talvez as aconselhasse a proporcionar aos empregados harpas e ambrosia, em lugar fornalhas e esgoto.
TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ
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