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quinta-feira, 30 de maio de 2013

Um gari que é um exemplo da nova terceira idade

Gessi Teixeira da Silva é o gari mais idoso da cidade


Gari mais antigo da Comlurb tem 85 anos
Foto: Domingos Peixoto / O Globo
Gari mais antigo da Comlurb tem 85 anos
Foto: Domingos Peixoto / O Globo
POR LETICIA FERNANDES 30/05/2013

RIO — Natural de Itaperuna, Noroeste fluminense, Gessi Teixeira da Silva acorda todos os dias às 2h. Às 2h45m, ele sai da casa onde mora, em Pedra de Guaratiba, Zona Oeste do Rio, pega um ônibus até Campo Grande, de lá entra no coletivo que o leva até a Central do Brasil. Por volta das 5h, o terceiro ônibus chega a Botafogo. No prédio da Comlurb, ele toma um banho, sempre gelado, veste o uniforme de trabalho (blusa laranja; calça da mesma cor, cuidadosamente dobrada na altura do tornozelo; luvas, para evitar o contato direto com o lixo; chapéu, para se proteger do sol; e tênis surrado cinza escuro) toma um rápido café da manhã e ganha as ruas do bairro.

É essa a rotina do gari mais idoso do time de 14.608 trabalhadores da Comlurb na cidade. Seu Gessi tem 85 anos de idade e 35 de profissão, quase todos passados ‘ciscando’ alegremente na Praia de Botafogo, das 6h às 14h. Nessa brincadeira, ele já tirou do lixo um celular, e sempre consegue “um trocado”. O espeto, seu instrumento de trabalho, é usado para colher folhas secas e papéis. O cabo do espeto é feito de madeira e, na ponta, um vergalhão fisga os dejetos. Pela sagacidade com que remove as sujeiras do chão, em golpes certeiros, o gari ganhou o apelido de Cisquinho. Isso é o que dizem os dez companheiros de trabalho da área fiscalizada por Alberto Nascimento:

— Trabalho nesse pedaço há três anos, e vejo que ele se dá bem com todo mundo. Aqui em Botafogo, a gente conhece ele como Cisquinho, porque ele fica catando papel. Aí demos esse apelido — conta o agente de limpeza urbana.

A versão de Seu Gessi para o apelido é outra:

— É porque eu era muambeiro, fazia muito biscate, por isso Cisquinho. Mas agora parei com isso, não tenho mais idade.

As linhas do tempo marcam o corpo do pequeno homem de olhos azuis e semblante tranquilo. Sua prole, de sete filhos (ele teve dez, mas perdeu três filhas), oito netos e oito bisnetos, além da esposa, Laís, de 78 anos, com quem é casado há mais de 50, mora junta em Coelho Neto, Zona Norte do Rio. Gessi vive sozinho em Pedra de Guaratiba. Perdeu uma das filhas na casa, por isso a família quis se mudar. Ele não conseguiu deixar para trás a casa que chama de sua, mas vai à de Coelho Neto aos domingos. A vizinha o ajuda com a arrumação do imóvel e, normalmente, prepara suas refeições.

— Quando ela não deixa comida, eu mesmo faço. Cozinho arroz, macarrão, mas com carne eu não sei mexer. Eu estou lá em Guaratiba porque quero, não me queixo de filho, não. Nem de ninguém — explica.

Depois de Itaperuna, o gari foi morar em Miracema, município a cerca de 57 quilômetros de onde nasceu, e a 270 quilômetros da capital. Lá, criou os dez filhos, trabalhando como fazendeiro. O trabalho como gari só começou aos 50:

— Criei a minha família toda na roça, em Miracema. Trabalhei muito em lavoura de café e arroz para criar os meus filhos.

Hoje, ele ainda mantém uma casa em Miracema, a que vai, sempre sozinho, ao fim de cada mês.

— Quando ele vem da roça, traz logo uns dez queijos, comprados lá mesmo, e distribui para os garis de quem ele gosta. Todo mundo adora. No trabalho, tenho que ficar sempre de olho, porque, se eu me distrair, ele tira as luvas, não está nem aí — conta o fiscal Alberto Nascimento.

Do pai, sempre soube pouco. Ele se separou da mãe quando Gessi era pequeno, e sumiu no mundo. Anos depois, teve uma surpresa:

— Eu estava trabalhando, quando um homem falou pelas minhas costas: “Não vai pedir a bênção do seu pai?”. Ele estava do meu lado e eu nem reparei. Via ele raramente, ele foi no meu casamento e batizou o meu primeiro filho junto com a minha mãe. Mas aí, nunca mais vi, e ele morreu — conta o gari, que não sabe do que vivia o pai.

Na Região Administrativa de Botafogo (Flamengo, Glória, Laranjeiras, Catete, Cosme Velho, Botafogo e Humaitá), a Comlurb recolhe, por mês, 2.608 toneladas de lixo, ou 350 gramas por habitante a cada dia. O salário de gari varia entre R$ 729 e R$ 1.454. Seu Gessi não sabe ao certo quanto ganha, pois quem cuida das finanças é uma das filhas solteiras. Mas recebe “uns mil e pouco”, chuta. Ele adora a rotina do trabalho como gari, e garante que fica enquanto tiver saúde.

— Velhinho, só eu mesmo. Mas pedir para sair, eu não peço. Enquanto aguentar, a gente vai levando — conta Cisquinho, abrindo um sorriso malandro.

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